quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O manifesto (20 anos)




Crescemos numa época em que fazer sexo em público ou nadar nu na praia já era considerado obsceno e universitários transviados condenavam a libertinagem e julgavam-na como sendo uma puta falta de respeito com a sociedade ideal então instaurada que proibia ser humano que fosse a pisar na grama. O mundo agora então chato um lugar de enfeite cheio de placas e sinaleiras, continuamente agredido pela obsolescência programada condenada por ambientalistas e defendida por economistas sempre a lembrar da crise de vinte e nove.

O que poucos sabiam é que a motivação de tanto descaso do homem moderno em preservar o planeta Terra estava fundamentado na descoberta feita décadas atrás e mantida em segredo de um planeta gêmeo da Terra localizado há poucos anos luz e completamente habitável, este seria o maior caso de obsolescência programada da história se não fosse a razão de ser esse um segredo que poucos sabiam apenas uma mentira criada num momento de delírio meu e da Clarissa inspirado na esperança de que as pessoas soubessem o que estão fazendo e infelizmente elas não sabiam e tudo isso sempre foi um vamos ver se assim vai continuar dando certo alguém um dia encontrará uma solução pra toda essa merda inconsciente que estamos fazendo, sabíamos disso e não podíamos esperar até amanhã.

Éramos jovens, inocentes e capazes de sair discutindo com João que fosse sobre a necessidade de preservar a natureza, separar o lixo, consumir menos e toda a ladainha ecologicamente correta que aprendemos na internet. A gente era assim apaixonado por isso de salvar o mundo, pensávamos juntos, tínhamos uma ideologia, mas tudo isso um dia morreu ou transformou-se em algo novo quando caímos na real de que estávamos dando murros em ponta de faca ao atentar ao absurdo que seria o homem conseguir dá cabo do mundo depois de tudo que o planeta passou - a humanidade poderia cair o planeta seguiria por algum tempo praticamente inabitável e as velhas espécies existiriam de uma forma diferente, no fim a Terra daria a volta por cima renascendo de uma maneira totalmente nova, a beleza da Fênix.

Continuamos jovens e ainda pensamos juntos, no entanto ao invés do planeta tentamos salvar agora nossa existência que há anos vem se resumindo a mediocridade. Temos a consciência de que assim como a Terra tem se transformado para resistir as agressões do homem moderno, nós também precisamos reagir a altura contra o encaretamento geral da população mundial. Essa tornou-se a nossa causa, uma causa de poucos que nos fez ver em nossos vinte e poucos anos gente de vinte e poucos anos contra gente de vinte e poucos anos, um cabo de força apoiado pelo sistema que ria por não precisar enviar seus próprios homens. Tinha povo contra povo.

Helena chegou no inicio da noite e me encontrou cheio de lençóis estampados esparramados pelo chão pouco entendo aquilo que ela estava vendo.

- Que te passas na cabeça?
- Na verdade nada tem me passado, as coisas vêm chegando e se acumulando ao ponto que morreria se não as colocasse para fora. Se queres saber mesmo, isso que tu vê agora era o que me passava pela cabeça e que agora eu passo para fora. Dou de presente ao mundo a liberdade de minhas ideias e cabe a ele agora aceitar o novo...

Olhei para trás e ela já havia sumido nem mesmo a tempo de eu terminar o meu discurso. Cheguei mesmo na noite anterior a afundar em pensamentos justificando a insignificância de minha existência. A depressão do ter passado pelo mundo sem ter feito nada de grandioso ou mesmo ser importante ou amado por alguém. As coisas não tinham mais o mesmo valor e estava disposto a morrer sem mais prazeres sexuais. Interrompi o martírio a minha alma e optei por dar um valor a minha existência. Helena acabara de presenciar o inicio da revolução mental que me sucedera, mas estava ocupada demais para acessar a minha mente. A verdade é que nunca esteve interessada no que me corria naquele momento ou mesmo o que me motivava, apenas lhe interessava censurar-me, pois foi educada para o fazê-lo e ao notar as parvalhices que lhe falava chegou a conclusão de que ao me ignorar entregaria a mensagem de que pouco lhe interessava o que eu estava fazendo, que era só mais uma loucura e que não merecia sua atenção.

Comecei a cortar medidas e preparei toda a carne com agulhas e linhas. Fui tomado em frustração quando vesti a primeira peça e a projeção tridimensional do meu idealismo tomou uma forma diferente da imaginada na minha mente. Não desisti e culpei a falta de experiência, o tecido e o escambau. Costurei outra peça e mergulhei mais uma vez na decepção e arrependimento. Já não tinha meus adoráveis lençóis estampados. Meu idealismo transformou o pouco que eu tinha em retalhos e Helena voltava e ria-se de mim.

Embrulhei tudo em um saco plástico e joguei numa caixa escrito as besteiras que fiz nos meus vinte e poucos anos. Esqueci aquele episódio e sai determinado a me entupir de álcool porque era isso que fazíamos quando estávamos entediados. Nem precisava de muito para que eu saísse gritando olha o queijo a cada porte que via e rolava só de cuecas enquanto me aplaudiam. Eu não conhecia peras maduras até mastigar uma verde. Agora tudo envolve um apalpar e um mastigar e dependendo da experiência aquilo se repete ou nunca mais é tocado pelos mesmos lábios. Existe uma rotatividade, as cadeiras mudam de lugar enquanto estamos dançando em volta delas e algum dia sentamos onde agora há outro que antes não havia estado ali.

Ainda em pleno estado etílico vomito minhas respostas a todas as opressões sofridas e alguém o diz que o faço em função da bebida, quero nega-lo e então o nego. Faço, pois tenho de fazê-lo em honra de minha liberdade e o álcool é a manifestação desse grito. Dão-nos as costas e nos tiram os ouvidos quando estamos a falar de coisas novas, nos tratam como tratam dos bêbados. De certa ótica torno-os menos mentirosos quando bebo dando a eles enxurradas de verdade além de dar vida ao personagem que criaram. Arriscar o álcool, o antídoto que revela em cada um sua verdadeira existência humana, é ao mesmo tempo libertador e perigoso. Existem verdades que não nasceram para serem vividas nesse mundo e então se criam as regras que nos salvam e que nos matam. O limite da liberdade de um deveria ser a segurança do outro - o que pregam os hedonistas e não a bíblia.

Todo esse excesso de fazer e não fazer limitando a existência da humanidade faz de cada um de nós um vazio do novo. Uma uniformidade condenável. Somos todos alguém que poderíamos ser, alguns já estão mortos, cabe aos ainda vivos deixar saltar fora o outro sem atirar ou mandar de volta a casa.

Independente da credulidade de cada individuo o céu e inferno e deus e o diabo são figuras que dispensam a existência material porque ganharam ao longo do tempo um caráter moral onde o que é moralmente aceito é aliado a céu que está atrelado a deus e o inverso ao inferno, a casa do diabo. Mutável em função da cultura de um povo e da sua época a moral que determina onde o individuo passara sua eternidade varia conforme o contexto em que está inserido. A depender de onde e quando eu nasça poderei ser fadado a deus ou ao diabo. O conceito de pecado convencionado, o que é imoral, não é desta maneira algo que possa ser fixado e eternizado pela própria maneira que foi concebido. OS homens evoluem, o conceito do que é moral é transformado e pessoas mudam do céu para o inferno de milênio em milênio.

Nunca o fiz com a intenção de educa-lo, perguntei sobre seu vicio no cigarro com a vontade de quem almeja compreender o que move o outro. Chamar-me de sua mãe foi o suficiente para que eu não voltasse mais ao assunto e beijasse sua boca sabor nicotina. Minhas saudades suas tem cheiro de cigarro - é o mesmo das minhas roupas. Limito-me aos meus enrolados de cannabis. Há uma sensualidade envolvida no puxar e soltar da fumaça, um poder sexual afrodisíaco capaz de transformar palco em plateia. Desfruto do efeito, embora seja um tanto broxante toda essa mídia contra. Mulheres já narraram seu final feliz fumando Black de menta. A questão que pode ser levantada, quanto hedonista, gira em torno do definir onde o principio da busca do prazer sem ferir o outro chega ao seu limite tratando-se de cigarros. Um orgasmo pode valer o preço de um câncer, trata-se de aceitar o risco de corpo nu e entregar a sua alma – se assim quiser, assim farei – ou assistirei da janela.

- Vê aquela mulher vestida de amarelo, aquela mulher bonita.
- Posso ver uma mulher bonita, aquela vestida de amarelo.
- Seu nome é Juliana. Escolhi Juliana para me acompanhar nos passeios até a praça e não reclamo das asneiras que ela fala em público porque já estive em sua boca e sei da dificuldade em se achar moças que saibam fazer tamanho malabares com a língua sem derramar uma gota no chão. Um homem da minha posição precisa de um lugar para guardar o pau e particularmente não tenho fetiche em foder com cérebros como fazem em algumas igrejas.

Helena me perguntou em quem eu acreditava porque não admitia a descrença em deus. Há quem não enxergue a perversidade do bater das asas de uma borboleta, sempre vi além do movimento. É como puxar um fio de um lençol até que só haja linha. Uma porta aberta por uma infinidade de chaves onde ninguém sabe ao certo qual seria indispensável ou mesmo sobre a existência de algo com tal natureza. Um quebra-cabeça não pode ser terminado sem uma das peças. Eu acredito nas borboletas.

Eu pisco o olho e me vejo nessa imensa orgia com homens e mulheres masturbando seus corpos. A Clarissa foi a primeira mulher a me contar que se tocava. Tenho ainda o cenário construído na minha mente, a porta trancada seus olhos virados e quatro de seus dedos da mão direita massageando sua boceta. Meteram um filho na sua barriga, está casada e tenho que voltar a lhe perguntar se continua fazendo essas coisas.

A primeira vez que senti que eu era exatamente o que eu queria ser foi quando estava atravessando a rua fora da faixa e o sinal dizia para os pedestres esperarem. Eu estava com um jeans mágico, uma camiseta branca com um pentagrama pintado a mão e uma jaqueta de couro. Eu podia sentir o vento passando contra minha cabeça raspada e de algum modo aquele lugar e o que eu vestia me proporcionaram uma estúpida sensação de liberdade. 

Somos jovens, nos resta ter uma boa perspectiva para o futuro e a esperança só virá quando a gente desarmariar as armas, as flores não nascem sozinhas dentro das cidades. Estamos juntos nessa loucura impedidos de permitir-se a qualquer coisa porque não nos foi permitido permitir. Novos tempos exigem novos heróis e novos vilões. Acordem todos, Madalena está morta e os próximos seremos nós.

Revisitando histórias de outras noites




A fome demora e devora, vem e come. Sei como funciona. Sei o que fazer. Resmungarei como se fosse de alguma forma especial. Eu me lembro da gente se divertindo um no outro. Esqueço dos momentos descartáveis, dos beijos plásticos e dos abraços que não eram pirocópteros.  Então não deixa não nos deixe pra lá. Quando for tua a minha hora, chega e toma. Limpa e abriga... e há briga que nos separa depois nos mata. Deixa-nos de novo frios. Em cantos separados, um lá outro acolá. Já apaguei as luzes, agora vem. A porta esta trancada, aproveita e se aproveita de mim. Estou te esperando. Se ajeita aqui do meu lado. Contorcidos e amarrados nossos corpos fluorescentes acendem e apagam, piscam, piscam, piscam. O que te falta agora? Vem e me dá a tua falta, prometo te devolver nunca. Fica bem comigo. Madrugada desperta o calor e suas palavras casadas com as minhas rolam um beijo e mais outro e outros mil. Pega aqui toca aqui e agora me engole porque eu te compreendo.